sábado, 26 de fevereiro de 2011

Princípio da proporcionalidade: aplicação em decisão do Superior Tribunal de Justiça - Serivaldo C. Araujo

Este trabalho tem por finalidade identificar a aplicação do princípio da proporcionalidade em uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Especificamente o Habeas Corpus nº 168.167-SP (2010/0061031-5), disponível no site do STJ, como requisito de aprendizado da disciplina de Direito Administrativo.

A análise será feita tomando como bases a aplicação do princípio da proporcionalidade na decisão proferida pelo STJ, a maneira como os ministros daquela corte se posicionam perante o caso e o que podemos identificar sobre a doutrina estudada em Direito Administrativo.

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Podemos entender por princípio, um fundamento básico, elementar e originário, utilizado para a elaboração e aplicação de uma norma jurídica. Na definição de Miguel Reale, os princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (REALE, 2002, p. 304).

O princípio da proporcionalidade é um dos princípios pelos quais se deve nortear a Administração Pública, juntamente com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, expressos no Art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 e dos princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público, expressos no Art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

De acordo com Odete Medauar, o princípio da proporcionalidade “consiste, principalmente no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins.” (MEDAUAR, 1998, p. 142).

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da proporcionalidade “enuncia a idéia – singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas” (MELLO, 1996, p. 65).

No ensinamento de Lúcia Valle Figueiredo, “resume-se o princípio da proporcionalidade na direta adequação das medidas tomadas pela Administração às necessidades administrativas” (FIGUEIREDO, 1998, p. 47).

DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No habeas corpus objeto de estudo deste trabalho, podemos observar como os ministros do STJ emitem seus votos no julgamento do recurso impetrado, tendo como embasamento a aplicação do principio da proporcionalidade.

O tribunal analisa a solicitação de redução da pena aplicada a um funcionário público, por ter cometido o crime de peculato, tipificado no Art. 312 do Código Penal:

Art 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. Pena – reclusão de dois a doze anos, e multa.

De acordo com o documento analisado, o funcionário público fora condenado, pela prática de peculato, na modalidade continuada, por haver fraudado licitações destinadas à contratação de serviços de reforma e construção de cadeias públicas, realizadas pela Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo, beneficiando, com valores sobrefaturados, determinadas empresas. De acordo com o Art. 59[1] do Código Penal, o juiz, em primeira instância, fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e multa, acrescidos de 1/3 (um terço) pelo fato de o agente ocupar cargo de direção em órgão da Administração, de acordo com o §2º do Art. 327[2], do Código Penal, aumentando de 1/2 (metade), por ter sido um crime continuado, de acordo com o Art. 71[3], do Código Penal. A pena final resultou em 4 (quatro) anos de reclusão, no regime aberto, substituída por medidas restritivas de direito e pagamento de 19 (dezenove) dias-multa.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), dando provimento à apelação do Ministério Público, fixou a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, acrescidos de 1/3 (um terço) pelo fato de o agente ocupar cargo em comissão e aumentando em 1/6 (um sexto), pela continuidade, condenando o funcionário público à pena final de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 46 (quarenta e seis) dias-multa, iniciado em regime semiaberto.

O TJ/SP justificou o aumento da pena, considerando que a conduta foi gravíssima, envolveu um desvio de dinheiro público no valor de US$358.585,02, atrasou investimentos da Polícia Civil e feriu a já fragilizada imagem dessa instituição.

O STJ entendeu que a pena-base fixada pelo TJ/SP foi estabelecida acima do mínimo legal, de forma desproporcional, pois se limitou a indicar, concretamente, o prejuízo causado aos cofres públicos (US$358.585,02) e teceu considerações vagas, como o possível atraso em investimentos na Polícia Civil e a afetação da imagem desta instituição perante a opinião pública. Sendo assim, fixou a pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, acrescidos de 1/3 (um terço) por estar em cargo de comissão e aumentando em 1/6 (um sexto) pela continuidade do delito, perfazendo um total de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, pena suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Tomando como referência a doutrina, de acordo com Maria Sylvia Zanella de Pietro, “a proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto” (DI PIETRO, 2008, p. 76). Para Odete Medauar o princípio da proporcionalidade “aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício” (MEDAUAR, 1998, p. 142)

Podemos observar nesse entendimento a utilização do princípio da proporcionalidade para a justificação da decisão e um redimensionamento das penas, pois o tribunal considerou as alegações vagas e concretamente insuficientes para estabelecer a exasperação das penas. Cabe salientar que a decisão de estabelecer a pena é uma atribuição do juiz, levando em consideração fatores previstos na lei e proporcional aos fatos mencionados no processo. Sendo assim, verificamos que em cada instância, a estipulação da pena esteve fundamentada em critérios de interpretação diferentes, de acordo com a lei penal.

CONCLUSÃO

A definição do princípio da proporcionalidade inserido na Administração Pública está baseada principalmente no equilíbrio das medidas a serem tomadas pelos agentes púbicos, na dosagem das sanções e das restrições, na devida proporção dos limites de poder e na manutenção do interesse público.

Após verificar um único exemplo de decisão do Superior Tribunal de Justiça na qual se tomou como parâmetro o princípio da proporcionalidade, podemos perceber que a correta aplicação deste princípio associado aos outros diversos princípios da Administração e os princípios gerais do direito, capacita os juízos, como agentes públicos, a tomar posicionamentos justos e por vezes acertados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 19998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

NOTAS REFERENCIAIS

[1] Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

[2] Art 327 – [...] § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

[3] Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Direito Administrativo

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: APLICAÇÃO EM DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Serivaldo C. Araujo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Direito Constitucional

PODER CONSTITUINTE: CONCEITO, MANIFESTAÇÕES, LIMITES E DESDOBRAMENTOS - Serivaldo C. Araujo e Geronimo R. Coelho

SUPREMACY CLAUSE: ESTUDO HISTÓRICO SOBRE A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS FEDERAIS NOS ESTADOS UNIDOS - Bruno Fontenele Cabral

Poder Constituinte: conceito, manifestações, limites e desdobramentos - Serivaldo C. Araujo e Geronimo R. Coelho

Sumário: Introdução. 1. Poder Constituinte. 1.1 Conceito. 1.2 Espécies. 1.3 Características. 1.4 Manifestações. 1.5 Limites do Poder Constituinte. 2. Teoria do Poder Constituinte. 3. Poder de Reforma. 4. Exercício do Poder Constituinte. Considerações Finais. Notas Referenciais. Referências Bibliográficas.

Resumo: o presente artigo aborda o tema do poder constituinte, um dos importantes conteúdos estudados em Teoria da Constituição. São destacados neste trabalho os conceitos elaborados por diversos doutrinadores, a maneira como é manifestado esse poder, suas espécies, seus limites, sua teoria, os poderes vinculados a ele e como é efetivado o seu exercício.

Palavras-chave: poder constituinte, constituição, povo, nação, democracia, poder reformador.

INTRODUÇÃO

O poder constituinte pode ser considerado um dos principais poderes do Estado, pois além de ser emanado do povo, é o responsável pela elaboração da Constituição de um Estado, a norma fundamental de sua existência. Tem por fim estabelecer normas constitucionais, organizar o Estado, delimitar os poderes legislativo, executivo e judiciário, definindo suas competências.

O povo não podendo, diretamente, elaborar sua constituição, delega essa função a uma assembleia constituinte, formada pelos seus representantes. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, por exemplo, consta no parágrafo único do Art. 1º que todo o poder emana do povo[1].

O poder constituinte existe há muito tempo, no entanto seu estudo e teorização se deram somente a partir do século XVIII.

1. PODER CONSTITUINTE

1.1 CONCEITO

Os conceitos formulados por doutrinadores e estudiosos do direito e do Estado são semelhantes e seu núcleo evoca a criação de uma Constituição.

Conforme J. J. Canotilho “o poder constituinte, como o próprio nome indica, visa constituir, criar, positivar normas jurídicas de valor constitucional”[2].

Para Sahid Maluf “o poder constituinte é uma função da soberania nacional. É o poder de constituir e reconstituir ou reformular a ordem jurídica estatal”[3].

Paulo Bonavides destaca o poder constituinte como “um poder político, um poder de fato, um poder que se não analisa em termos jurídicos formais e cuja existência e ação independem de configuração jurídica”[4].

O ministro Gilmar Mendes nos ensina que o poder constituinte é:

Um poder que tem na insubordinação a qualquer outro a sua própria natureza; dele se diz ser absolutamente livre, capaz de se expressar pela forma que melhor lhe convier, um poder que se funda sobre si mesmo, onímodo e incontrolável, justamente por ser anterior a toda normação e que abarca todos os demais poderes; um poder permanente e inalienável; um poder que depende apenas da sua eficácia.[5]

De acordo com Sahid Maluf, o poder constituinte “tanto pode ser exercido para a organização originária de um agrupamento nacional ou popular quanto para constituir, reconstituir ou reformular a ordem jurídica de um Estado já formado”[6].

Luís Roberto Barroso trata o poder constituinte como sendo “o poder de elaborar e impor a vigência de uma Constituição. Situa-se ele na confluência entre o Direito e a Política, e sua legitimidade repousa na soberania popular”[7].

O Poder Constituinte não é exercido em qualquer momento ou ocasião, conforme Celso Ribeiro Bastos:

O poder constituinte só é exercitado em ocasiões excepcionais. Mutações constitucionais muito profundas marcadas por convulsões sociais, crises econômicas ou políticas muito graves, ou mesmo por ocasião da formação originária de um Estado, não são absorvíveis pela ordem jurídica vigente”[8].

Entendemos, assim, que o poder constituinte tem a vontade popular e política capaz de pensar, elaborar, constituir e promulgar uma constituição. A partir desse poder estabelece-se uma nova ordem jurídica.

1.2 ESPÉCIES

O poder constituinte pode ser originário, derivado, difuso[9] ou supranacional[10].

O professor Paulo Bonavides conceitua o poder constituinte originário como sendo o que “faz a Constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se quiserem, extrajurídico”[11].

Gilmar Mendes destaca que o poder originário “é a força política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política”[12].

Pedro Lenza simplifica que o poder constituinte originário “é aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem jurídica precedente”[13].

O poder derivado, de acordo com Paulo Bonavides “se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional”[14].

De acordo com José Afonso da Silva, o poder constituinte derivado visa “permitir a mudança da Constituição, adaptação da Constituição a novas necessidades, a novos impulsos, a novas forças, sem que para tanto seja preciso recorrer à revolução, sem que seja preciso recorrer ao poder constituinte originário”[15].

O poder constituinte derivado já se define por seu nome propriamente dito, segundo Pedro Lenza, será “também denominado instituído, constituído, secundário, de segundo grau”[16].

O Poder Constituinte Derivado, pode se dividir em reformador, decorrente e revisor. O Poder reformador é o responsável pelas mudanças nas Constituições por intermédio das emendas constitucionais. Poder decorrente é o responsável pela elaboração das Constituições Estaduais. O revisor é aquele que visa implementar emendas constitucionais de revisão, de caráter extraordinário.

A maioria dos doutrinadores subdivide o poder derivado apenas em reformador e decorrente sendo o reformador “denominado por parte da doutrina de competência reformadora”[17].

O professor Uadi Lammêgo Bulos apresenta-nos o poder constituinte difuso que atua na ocasião de uma mutação constitucional, uma mudança informal no sentido, preceitos e conteúdo da Constituição; não é formalizado na constituição, más está presente no ordenamento jurídico. Segundo esse autor:

O poder difuso apresenta-se em estado de latência, daí ser um poder invisível, apenas aparecendo quando necessário, para ser exercido pelos órgãos constitucionais, aos quais compete aplicar a constituição, interpretando-a, escandindo-a se preciso for, a fim de dar-lhe efetividade.[18]

Pedro Lenza nos traz ainda, o poder constituinte supranacional que “busca a sua fonte de validade na cidadania universal, no pluralismo de ordenamentos jurídicos, na vontade de integração e em um conceito remodelado de soberania”[19]. É um poder que busca a formação de uma Constituição supranacional, “apta a vincular os Estados ajustados sob o seu comando e que busca sua fundamentação na vontade do povo-cidadão universal, seu verdadeiro titular”[20].

Percebemos que o poder originário tem um caráter mais político, enquanto o derivado, um caráter mais jurídico, visto que aquele está relacionado à vontade e à soberania popular e este está delimitado pela própria Constituição.

1.3 CARACTERÍSTICAS

O poder constituinte originário apresenta três características básicas, ele é inicial, autônomo e incondicionado.

É inicial, pois não existe outro poder anterior ou acima dele. Como poder constituinte originário, ele está na origem do ordenamento jurídico, tendo em vista que “a constituição não retira o seu fundamento de validade de um diploma jurídico que lhe seja superior, mas se firma pela vontade das forças determinadas da sociedade, que a procede”[21], ou seja, a assembleia constituinte eleita pelo povo.

O poder é autônomo, visto que está sujeito somente à vontade de seu titular, limitando-se a questões éticas, morais e culturais da própria nação que o determina.

Incondicionado porque não está subordinado à regra de formalidade ou de conteúdo pré-estabelecido.

Em contrapartida, o poder constituinte derivado tem características opostas, está limitado pelo próprio poder originário e está condicionado às normas estabelecidas na Constituição, por vontade do constituinte.

1.4 MANIFESTAÇÕES

O Poder Constituinte originário pode se manifestar de duas formas, pela outorga ou pela convenção (assembleia nacional constituinte).

Gilmar Mendes destaca que “se o ato constituinte compete a uma única pessoa, ou a um grupo restrito, em que não intervém um órgão de representação popular, fala-se em ato constituinte unilateral, e a Constituição é dita outorgada”[22].

Uma constituição pode ser promulgada, ou seja, elaborada e publicada por uma Assembleia Constituinte formada por representantes do povo. Segundo Gilmar Mendes “é o sistema clássico de elaboração de constituições democrática. O método dá origem à chamada Constituição votada”[23].

1.5 LIMITES DO PODER CONSTITUINTE

As Assembleias Constituintes têm limitação, “a elas se devolvem a totalidade do poder de soberania, com apenas o dever de respeito aos imperativos das leis de direito natural”[24].

Alguns doutrinadores levantam que o poder pode ser limitado. Pedro Lenza expõe que:

Está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão. Todos estes grandes princípios, estas exigências ideais, que não são jurídico-positivas, devem ser respeitados pelo Poder Constituinte, para que este se exerça legitimamente.

2. TEORIA DO PODER CONSTITUINTE

A teoria do poder constituinte começou a ser elaborada no final do século XVIII, no entanto o poder constituinte sempre existiu na sociedade política. De acordo com os ensinamentos de Paulo Bonavides:

A teoria do poder constituinte empresta dimensão jurídica às instituições produzidas pela razão humana. Como teoria jurídica, prende-se indissociavelmente ao conceito formal de Constituição, separa o poder constituinte dos poderes constituídos, torna-se ponto de partida e matriz de toda a obra levantada pelo constitucionalismo de fins do século XVIII.[25]

A teoria apareceu com o desenvolvimento da Revolução Francesa, destacando-se as ideias de Emmanuel Joseph Sieyès, principalmente na obra Qu´est-ce que le Tiers État?, na qual ele destaca a força da nação, o Terceiro Estado.

De acordo com Uadi Lammêgo Bulos:

Indiscutivelmente, deve-se a Sieyès a noção primeira do poder constituinte, associado, por grande parte dos estudiosos, a características todo poderosas e grandiloquentes, exteriorzadas pelas notas de inicial, originário, supremo, extraordinário, de primeiro grau, direto, inalienável, fundacional, imprescritível, incontrolável etc.[26]

3. PODER DE REFORMA

O poder de reforma é oriundo do poder constituinte originário. Os ensinamentos de Gilmar Mendes nos trazem que:

O poder de reforma – expressão que inclui tanto o poder de emenda como o poder de revisão do texto – é, portanto, criado pelo poder constituinte originário, que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e limitações a serem observadas.[27]

O poder reformador, de acordo com Sahid Maluf “consiste na competência para reformar parcialmente ou emendar a Constituição, que não é um código estático, mas dinâmico, devendo acompanhar a evolução da realidade social, econômica e ético-jurídica”[28].

Na concepção de Alexandre de Moraes, “consiste na capacidade de alterar o teto constitucional respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria constituição e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. Só estará presente nas constituições rígidas”[29].

4. EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE

A missão da assembleia constituinte é a de constituir ou reconstituir a ordem jurídica e politica do Estado, porém conforme destaca Sahid Maluf (2007, p 194) “cumprida essa missão, encerrados os seus trabalhos com a promulgação e a publicação da nova lei fundamental, ela se dissolve, ou passa a funcionar daí por diante como Assembleia Legislativa ordinária (poder constituído) se previsto no ato de sua convocação”[30].

Pedro Lenza lembra que a “manifestação do poder constituinte reformador verifica-se através das emendas constitucionais, (arts. 59, I, e 60, da CF/88)”, bem como lembra que “o exercício do poder constituinte derivado decorrente foi concedido às Assembléias Legislativas, conforme estabelece o Art. 11, caput, do ADCT”.[31]

Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.[32]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O poder constituinte está intrínseco à vontade popular e política de uma nação e caracteriza o momento de soberania nacional para a elaboração e promulgação da Constituição de um Estado.

Os conceitos apresentados mostram as abordagens efetuadas pelos doutrinadores, cientistas políticos e constitucionalistas, tradicionais e contemporâneos.

Ao mesmo tempo em que podemos considerar um tema de fácil abordagem, percebemos que o assunto encadeia situações de liberdade, vontade, democracia, política, direito e constitucionalismo.

Este trabalho simplificado de nível acadêmico buscou elencar principalmente conceitos, numa pesquisa bibliográfica em literatura jurídica nacional, por vezes sintetizadora, mas abrangente num tema de elevada importância para o estudo da Teoria da Constituição.

NOTAS REFERENCIAIS

[1] Art. 1º [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 91.

[3] MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 193.

[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 147.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 188.

[6] MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 193.

[7] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 97.

[8] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 27.

[9] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 316.

[10] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 121.

[11] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 146.

[12] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 187.

[13] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 112.

[14] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 146.

[15] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 65.

[16] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 115.

[17] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 57.

[18] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 317.

[19] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 121.

[20] NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 97.

[21] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 187.

[22] Idem, p. 191.

[23] Idem, p. 192.

[24] MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 193.

[25] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 141.

[26] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 279.

[27] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 203.

[28] MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 195.

[29] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 57.

[30] MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 194.

[31] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 116 e 118.

[32] Art. 11, Caput, ADCT – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 42ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A lei da “Ficha Limpa”: a busca da ética e da moralidade nas eleições brasileiras - Serivaldo C. Araujo

Este trabalho tem o objetivo de relacionar o conteúdo estudado na disciplina de Ética Jurídica com a aplicação da ética na prática, tomando como referência bibliográfica principal, a obra “Ética e Direito”, de Chaïm Perelman.

O período de eleições suscita-nos a refletir sobre a ética, a moralidade e a justiça. Os candidatos aos diversos cargos políticos agem de variadas formas. Com o intuito de atingir o eleitorado, apresentam suas propostas, mostram aquilo que já fizeram e o que pretendem realizar.

Os eleitores, de outro lado, cobram a ética, a honestidade, a integridade, a moralidade e a retidão de seus futuros representantes para a elaboração das leis que regerão seus direitos e deveres.

A ética é discutida desde a antiguidade clássica, pensadores como Platão e Aristóteles buscavam uma definição exata para ética, discutiam sobre a moralidade, o justo e o injusto. É o objetivo de todos, candidatos e eleitores, viver de forma ética.

Para assegurar clareza na seleção de candidatos aos cargos eletivos, vemos ser anunciada com muita frequência na atualidade, a chamada Lei da “Ficha Limpa”. Esta é a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, que altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, cuja ementa estabelece casos de inelegibilidade, prazos para cassação e outras providências. Essa lei atende ao §9º do Art. 14 da Constituição Federal/1998, no qual destaca-se a finalidade de proteger a moralidade para o exercício do mandato, considerando a vida pregressa do candidato:

Art 14. [...] § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (BRASIL, 1998)

Podemos acreditar que a lei da “Ficha Limpa” é formalmente justa, pois de acordo com Perelman (2002, p. 45) “justiça formal consiste em observar uma regra que anuncia a obrigação de tratar de uma certa maneira todos os seres de uma determinada categoria”, ou seja, para ser elegível todo candidato deve se enquadrar nos dispositivos estabelecidos e elencados na lei, que serve para todos.

Os políticos devem agir com ética, respeitando e obedecendo as normas socialmente impostas, para que possam angariar o respeito e a confiança daqueles que os elegem. Sendo assim não devem ser elegíveis, de acordo com a Lei Complementar nº 135/2010, aqueles que tenham sido condenados por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente, a saúde pública; crimes de abuso de autoridade, tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo, contra a vida e a dignidade sexual; condenados por corrupção eleitoral, gastos ilícitos, entre outros.

Todos esses crimes demonstram atitudes de desrespeito às leis formais e, sobretudo, às leis morais. Pautar a conduta com respeito às leis é o mínimo que se espera de um homem ou mulher que deseja representar seus semelhantes em cargos públicos eletivos.

A ética deve prevalecer no homem público, pois é ele quem vai trabalhar, manipular ou administrar a coisa pública, os bens comuns a todos, assim como elaborar as nossas leis. É de se entender que os políticos devem ser íntegros, honestos e, principalmente, éticos em relação às suas próprias atividades, ou seja, como cidadãos, integrantes de uma sociedade que prima pela verdade, comprometimento, desprendimento, dedicação e probidade, capazes de agir assim também na vida pública, atendendo aos anseios da coletividade, pois conforme Perelman (2002, p. 50) “ser membro de uma sociedade implica o compromisso de observar todas as suas regras”.

A lei da “Ficha Limpa” poderá fazer com que os candidatos eleitos atendam às expectativas dos seus eleitores, tendo em vista que já não se envolveram em problemas judiciais nos quais tenham sido condenados.

Esperamos que a lei da “Ficha Limpa” tenha realmente eficácia e que possa atingir seus verdadeiros objetivos, com justiça e moralidade, pois de acordo com Perelman (2002, p. 44) “a justiça formal se resume simplesmente à aplicação correta de uma regra”.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 24 ago. 2010.

BRASIL. Lei nº 135, de 4 de junho de 2010. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp135.htm. Acesso em 24 ago. 2010.

PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.