sábado, 26 de fevereiro de 2011

Princípio da proporcionalidade: aplicação em decisão do Superior Tribunal de Justiça - Serivaldo C. Araujo

Este trabalho tem por finalidade identificar a aplicação do princípio da proporcionalidade em uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Especificamente o Habeas Corpus nº 168.167-SP (2010/0061031-5), disponível no site do STJ, como requisito de aprendizado da disciplina de Direito Administrativo.

A análise será feita tomando como bases a aplicação do princípio da proporcionalidade na decisão proferida pelo STJ, a maneira como os ministros daquela corte se posicionam perante o caso e o que podemos identificar sobre a doutrina estudada em Direito Administrativo.

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Podemos entender por princípio, um fundamento básico, elementar e originário, utilizado para a elaboração e aplicação de uma norma jurídica. Na definição de Miguel Reale, os princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (REALE, 2002, p. 304).

O princípio da proporcionalidade é um dos princípios pelos quais se deve nortear a Administração Pública, juntamente com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, expressos no Art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 e dos princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público, expressos no Art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

De acordo com Odete Medauar, o princípio da proporcionalidade “consiste, principalmente no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins.” (MEDAUAR, 1998, p. 142).

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da proporcionalidade “enuncia a idéia – singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas” (MELLO, 1996, p. 65).

No ensinamento de Lúcia Valle Figueiredo, “resume-se o princípio da proporcionalidade na direta adequação das medidas tomadas pela Administração às necessidades administrativas” (FIGUEIREDO, 1998, p. 47).

DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No habeas corpus objeto de estudo deste trabalho, podemos observar como os ministros do STJ emitem seus votos no julgamento do recurso impetrado, tendo como embasamento a aplicação do principio da proporcionalidade.

O tribunal analisa a solicitação de redução da pena aplicada a um funcionário público, por ter cometido o crime de peculato, tipificado no Art. 312 do Código Penal:

Art 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. Pena – reclusão de dois a doze anos, e multa.

De acordo com o documento analisado, o funcionário público fora condenado, pela prática de peculato, na modalidade continuada, por haver fraudado licitações destinadas à contratação de serviços de reforma e construção de cadeias públicas, realizadas pela Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo, beneficiando, com valores sobrefaturados, determinadas empresas. De acordo com o Art. 59[1] do Código Penal, o juiz, em primeira instância, fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e multa, acrescidos de 1/3 (um terço) pelo fato de o agente ocupar cargo de direção em órgão da Administração, de acordo com o §2º do Art. 327[2], do Código Penal, aumentando de 1/2 (metade), por ter sido um crime continuado, de acordo com o Art. 71[3], do Código Penal. A pena final resultou em 4 (quatro) anos de reclusão, no regime aberto, substituída por medidas restritivas de direito e pagamento de 19 (dezenove) dias-multa.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), dando provimento à apelação do Ministério Público, fixou a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, acrescidos de 1/3 (um terço) pelo fato de o agente ocupar cargo em comissão e aumentando em 1/6 (um sexto), pela continuidade, condenando o funcionário público à pena final de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 46 (quarenta e seis) dias-multa, iniciado em regime semiaberto.

O TJ/SP justificou o aumento da pena, considerando que a conduta foi gravíssima, envolveu um desvio de dinheiro público no valor de US$358.585,02, atrasou investimentos da Polícia Civil e feriu a já fragilizada imagem dessa instituição.

O STJ entendeu que a pena-base fixada pelo TJ/SP foi estabelecida acima do mínimo legal, de forma desproporcional, pois se limitou a indicar, concretamente, o prejuízo causado aos cofres públicos (US$358.585,02) e teceu considerações vagas, como o possível atraso em investimentos na Polícia Civil e a afetação da imagem desta instituição perante a opinião pública. Sendo assim, fixou a pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, acrescidos de 1/3 (um terço) por estar em cargo de comissão e aumentando em 1/6 (um sexto) pela continuidade do delito, perfazendo um total de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, pena suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Tomando como referência a doutrina, de acordo com Maria Sylvia Zanella de Pietro, “a proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto” (DI PIETRO, 2008, p. 76). Para Odete Medauar o princípio da proporcionalidade “aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício” (MEDAUAR, 1998, p. 142)

Podemos observar nesse entendimento a utilização do princípio da proporcionalidade para a justificação da decisão e um redimensionamento das penas, pois o tribunal considerou as alegações vagas e concretamente insuficientes para estabelecer a exasperação das penas. Cabe salientar que a decisão de estabelecer a pena é uma atribuição do juiz, levando em consideração fatores previstos na lei e proporcional aos fatos mencionados no processo. Sendo assim, verificamos que em cada instância, a estipulação da pena esteve fundamentada em critérios de interpretação diferentes, de acordo com a lei penal.

CONCLUSÃO

A definição do princípio da proporcionalidade inserido na Administração Pública está baseada principalmente no equilíbrio das medidas a serem tomadas pelos agentes púbicos, na dosagem das sanções e das restrições, na devida proporção dos limites de poder e na manutenção do interesse público.

Após verificar um único exemplo de decisão do Superior Tribunal de Justiça na qual se tomou como parâmetro o princípio da proporcionalidade, podemos perceber que a correta aplicação deste princípio associado aos outros diversos princípios da Administração e os princípios gerais do direito, capacita os juízos, como agentes públicos, a tomar posicionamentos justos e por vezes acertados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 19998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

NOTAS REFERENCIAIS

[1] Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

[2] Art 327 – [...] § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

[3] Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

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